A nota aponta que as grandes empresas serão beneficiadas com a redução pela metade do IRPJ, de 25% para 12,5%, e poderão fugir à tributação de 20% sobre dividendos

O Comitê de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) acaba de divulgar carta atacando o substitutivo do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) à reforma do imposto de renda. Em tom mais forte que o habitual, o documento classifica a versão apresentada anteontem pelo parlamentar de “atentado ao sistema federativo” do país, que deve reduzir os “serviços públicos aos mais pobres para privilegiar os mais ricos”.

O Comsefaz estima que, dos R$ 30 bilhões de perdas anuais calculados pelo relator e avalizados pelo ministro Paulo Guedes (Economia), com a reforma do IRPJ, ao menos R$ 27,4 bilhões devem ficar com Estados e Municípios. Ontem, o diretor institucional do Comsefaz, André Horta, já havia mencionado ao Valor que o montante de perda seria de 91% dos R$ 30 bilhões. Outras contas, como do economista Bernard Appy, apontam perdas para os governos regionais entre R$ 21,6 bilhões e R$ 24,1 bilhões.

“O Substitutivo ao PL 2.337/21 …caminha em sentido contrário a todas as recomendações internacionais que endossam a progressividade dos tributos, com vistas a contribuir para a saúde e recuperação das economias dos países. A proposta sabota, ainda, o pacto federativo brasileiro, pretendendo transferir mais de 90% do custo desta desoneração da renda de mais ricos com a subtração de receitas de estados e municípios”, diz a nota dos secretários estaduais.

O documento lembra que originalmente a proposta do governo apontava para neutralidade fiscal, com menor tributação da classe média e maior tributação dos mais ricos. “Sendo o Brasil conhecido internacionalmente como “paraíso fiscal dos super-ricos”, o projeto tinha saldo positivo – ainda que reclamasse ajustes – no sentido de aperfeiçoar a deformidade regressiva de nosso sistema tributário, desconcentrando um pouco a renda do Brasil”, acrescenta o texto.

Para os representantes estaduais, poderiam ser feitos ajustes no projeto na redução na faixa de isenção sobre dividendos (R$ 20 mil por mês) ou da alíquota do IRPJ e da CSLL. “Contudo, o texto do relator reduziu drasticamente o IRPJ, não reviu a ampla faixa de isenção para dividendos e ainda retirou do texto a previsão de que as transferências de dividendos entre empresas de um mesmo grupo seriam taxadas, atendendo ao desejo de grupos privilegiados que se utilizam de holdings familiares para pagar menos impostos”, salienta o Comsefaz.

A nota aponta que as grandes empresas serão beneficiadas com a redução pela metade do IRPJ, de 25% para 12,5%, e poderão fugir à tributação de 20% sobre dividendos, desde que os mesmos sejam transferidos a uma holding familiar.

“Na prática, portanto, os dividendos acumulados pelas famílias mais ricas só serão tributados quando forem efetivamente distribuídos para as pessoas físicas, e o valor do imposto diferido para um futuro longínquo quando será reduzido pela inflação”, completa. “A técnica inepta é agravada pelo desconhecimento da existência de um pacto federativo na Constituição do país, dado o flagrante atentado a este”, completa o texto.

O Comsefaz argumenta ainda que o relator compensou “a União pelos descontos concedidos aos mais ricos em detrimento do financiamento de serviços aos mais pobres, conferindo a ela mais receitas de tributos federais não partilhados com os demais entes”.

O documento também diz que o relatório atenta contra o equilíbrio fiscal da União, estados e munícipios, que vêm lutando para equalizar suas contas desde a crise de 2015 e que foi agravada pela pandemia que se iniciou no ano passado. “Dessa forma, o relatório, tal qual apresentado, deve agravar a má distribuição de renda no país, não só por desonerar a renda de capital que beneficia principalmente os mais ricos, como também por reduzir o montante de recursos disponíveis para serem aplicados em programas sociais”, aponta.

Para o Comsefaz, se o desejo do governo federal ou do relator é reduzir a carga tributária, seria melhor fazer isso reduzindo a tributação sobre o consumo e não a tributação sobre a renda. “Postulamos a rejeição integral do substitutivo para garantir à população brasileira dignidade e serviços públicos que condigam com a expressão das vontades democráticas que nos conduziram às atuais gestões das administrações públicas subnacionais”, salienta a nota.

Via Valor Investe